O desenvolvimento tumoral faz com que aconteça uma alteração metabólica, que sem conhecimento prévio, é impossível o profissional atuar com esse público… Você sabe qual seria?
Escrito por Prof. Esp. Júlio César (Instagram: julio_cesar_bradhon)
Você não leu errado! Embora o processo de fosforilação oxidativa seja mais eficiente que a glicólise para produção de energia, essa última, apresentada pelas células tumorais mesmo em condições normais de oxigênio, favorece a produção mais rápida da energia necessária ao rápido crescimento das células. Esse fenômeno pode explicar as elevadas taxas de captação de glicose observadas na maioria dos tumores!
Uma característica comum às células tumorais é o metabolismo alterado de glicose, no qual há prioritariamente conversão de glicose em piruvato e lactato por meio da via glicolítica. Em células com taxas normais de proliferação, a glicólise é inibida pela presença de oxigênio, permitindo que a mitocôndria oxide piruvato em dióxido de carbono e água.
O fenômeno contrário a esse efeito é a glicólise aeróbia (Efeito Warburg), em que há a conversão de glicose na presença de oxigênio! Descoberto por Warburg em 1920, a glicólise aeróbia fez com que fosse levantada a hipótese de que o aumento da glicólise em condições normais de oxigenação observado em tumores seria resultado de danos na respiração mitocondrial. No entanto, a mitocôndria permanece com sua funcionalidade inalterada em tumores, sendo mutações em supressores tumorais e ativação de vias de sinalização os principais reguladores dos altos níveis de glicólise aeróbia.
A glicólise aeróbia apresenta duas desvantagens às células:
– O processo de glicólise (2 ATP/mólecula de glicose) é menos eficiente quando comparado a fosforilação oxidativa (36 ATP/molécula de glicose).
– Os produtos metabólicos da glicólise (como íons de hidrogênio) provocam acidificação do meio extracelular, o que pode resultar em toxicidade celular.
Qual o motivo dessa alteração?
O processo de glicólise permite a sobrevivência das células tumorais em condições escassas de oxigênio (por esse distanciamento de vasos sanguíneos), o que seria letal para células dependentes de fosforilação oxidativa. E embora a eficiência do ATP/glicose da glicolítica seja baixa, se o fluxo glicolítico for alto o bastante, pode exceder o produzido pela fosforilação oxidativa. Outra razão seria produtos secundários provenientes da glicólise aeróbia, como acúmulo de H+, que provocam acidose extracelular. No entanto, as células tumorais apresentam mecanismos de adaptação a acidose extracelular, como aumento da expressão de transportadores de H+, garantindo a manutenção do pH intracelular e conferindo resistência a apoptose (morte celular programada) induzida pela acidose.
Assim, glicólise aeróbia gera um microambiente acídico prejudicial às células tumorais, mas fatal para células não transfomadas. A acidificação do microambiente favorece a degradação da matriz extracelular e invasão tumoral por meio da morte de células não transformadas. Outra consequência da glicólise aeróbia é a diminuição da disponibilidade de glicose por aumento de seu consumo, favorecendo a sobrevivência de células que apresentam maior número de transportadores de glicose (GLUT1 e GLUT3).
O aumento da atividade glicolítica apresentado pelas células tumorais relaciona-se ao processo de adaptação celular durante ao processo de formação do câncer (carcinogênese). Com o crescimento tumoral e distanciamento de vasos sanguíneos, células tumorais são expostas a baixas concentrações de oxigênio, a privação de nutrientes e baixas concentrações dos medicamentos usados no tratamento. Esse microambiente, desfavorável a sobrevivência celular, exerce uma “pressão seletiva” sobre essas células, resultando células tumorais adaptadas a ele. As regiões sem presença de O2 (hipóxicas) favorecem mecanismos de adaptação das células tumorais, como a troca da fosforilação por glicólise aeróbia, o que permite que essas células proliferem mesmo na ausência de oxigênio.
Afinal, seria esse o motivo da fadiga apresentada por esses indivíduos?
A fadiga crônica é amplamente apontada como um sintoma de alta prevalência e a mais debilitante que aflige as pessoas com diagnóstico de câncer ou tratamento dele. Embora aconteça essa mudança no metabolismo do microambiente tumoral, ela não seria o único fator da fadiga (podendo estar também relacionada aos fármacos da quimioterapia e radioterapia). Mas é um dos fatores da fadiga em indivíduos oncológicos, principalmente nos quadros mais avançados, que apresentam metástase (aumento do microambiente tumoral, com respectivo aumento de H+ extracelular).
Mas então, se o indivíduo oncológico possui uma alta ingesta de carboidratos sem nenhum controle/acompanhamento nutricional, pode agravar o quadro?
Sem dúvidas! Pois como já citado, o substrato de maior utilização pelo metabolismo tumoral é a glicose. Quanto maior a circulação de glicose, maior estocagem de glicogênio, e aumento da proliferação tumoral.
Como o exercício físico pode melhorar o quadro de fadiga desses indivíduos?
A enzima lactato desidrogenase possui duas isoformas: LDH-B e LDH-A. Com o exercício físico acontece o aumento da ativação da enzima lactato LDH-B, responsável pela conversão de lactato em piruvato, convertendo em Acetil-Coa e entrando no Ciclo de Krebs (fosforilação oxidativa). Inversamente, ocorre diminuição da atividade da LDH-A , proporcionando redução na produção e manutenção de lactato, com consequente redução do efeito Warburg. Ou seja, menos fadiga!
Deve-se assim o profissional de educação física entender o quadro clínico antes de atuar com aquele indivíduo, pois sem conhecimento prévio, as chances de erro existirão. E não podemos errar com pessoas!